Regime Jurídico trabalhista aplicável aos trabalhadores contratados no exterior para prestação de serviços no território brasileiro e aos nômades digitais sediados no Brasil.

Nayara Ferreira Marques da Silva.

Cristiane Fátima Grano Haik

Advogada trabalhista no Furriela Advogados.

  1. Normas de Direito Material

 Empregados contratados no exterior para realização de atividades no Brasil.

No âmbito do direito privado é cediço que as obrigações contraídas no exterior são regidas pela lei do país em que foram constituídas. É o que prevê o artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Referida regra claramente aplica-se às relações patrimoniais de direito privado. Portanto, o questionamento que surge é se no contexto das relações sociais do trabalho a regra em questão é aplicável para definir as normas de direito material que regerão o contrato.

Deste modo, o trabalhador contratado no exterior, mas que presta serviços no Brasil, tem seu contrato regulado por qual lei? Brasileira ou do país de contratação?

Até 2012 este questionamento poderia ser respondido pela Súmula 207, TST[1], que assim como o Código de Bustamante (Convenção de Havana de 1928, ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 18.871/1929) adotava o critério lex loci executionis. Segundo tal critério as relações de trabalho seriam regidas pelo local de prestação de serviços e não pelo local onde houve a contratação.

O cancelamento da Súmula e a alteração do critério ex loci executionis decorreu de sua incompatibilidade com o art. 1º, caput, da Lei 7.064/82, alterado pela Lei nº 11.962/2009. Assim, se a contratação ocorreu no Brasil para realização de atividade no exterior em favor de empregador brasileiro, não se aplica o princípio da territorialidade, mas sim a Lei 7.064/82[2].

Contudo, a lei em questão trata expressamente da relação de trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviço no exterior. Não é o caso dos trabalhadores contratados no estrangeiro para prestar serviços no Brasil.

Para os trabalhadores que realizam atividades no Brasil, mesmo que contratados no exterior, a doutrina encabeçada por Sérgio Pinto Martins, Vólia Bomfim e Octavio Bueno Magano entendem que deve ser aplicado o direito material de acordo com a lei do local onde ocorreu a prestação dos serviços, prevalecendo o critério lex loci executionis, ou Princípio da Territorialidade, já consagrado no Código de Bustamante, Convenção de Roma de 1980 e Recomendação nº 2 da Organização Internacional do Trabalho, que assim dispõe:

A Conferência Geral recomenda que cada Membro da Organização Internacional do Trabalho garanta aos trabalhadores estrangeiros empregados em seu território e suas famílias, de forma recíproca e nas condições acordadas entre os países interessados, o benefício das leis e regulamentos de proteção aos trabalhadores e o gozo da direito de associação legalmente reconhecido aos seus próprios trabalhadores[3].

O Código de Bustamante, no art. 198, por sua vez prevê:

Artigo 198. Também é territorial a legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador.

Assim, se o trabalhador é contratado no exterior, por empresa sediada naquele país, mas vem realizar suas atividades no Brasil, aplica-se a brasileira e não do local da contratação.

Neste sentido destaca-se o ensinamento de Sérgio Pinto Martins (pag. 111)[4]:

O exemplo seria o caso de um empregado brasileiro que tivesse trabalhado dois anos no Brasil, posteriormente passou seis meses no Uruguai, dois meses na Itália, cinco meses na Inglaterra e por fim foi dispensado na Franca, onde trabalhou um ano. Qual a lei trabalhista a ser aplicada a tal trabalhador? Seria aplicável ao trabalhador cada lei do respectivo país em que houve prestação dos serviços, isto é, nos dois primeiros anos seria aplicada a lei brasileira, nos seis meses seguintes a lei Uruguaiana, nos dois meses seguintes a lei italiana, nos cinco meses subsequentes a lei inglesa e no último ano a lei francesa. Isso porque a maioria dos países adota o entendimento de que se deve aplicar a lei do local da prestação de serviços, tratando-se de questões trabalhistas.

Seria possível afirmar, portanto, que aos estrangeiros contratados no exterior, mas que realizam suas atividades no Brasil, aplicam-se as normas trabalhistas brasileiras, de modo que tais trabalhadores fazem jus, por exemplo, a Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), salário mínimo, limite de jornada, adicionais legais, representação sindical e direitos negociados, dentre outros.

Contudo, o conflito ocorre em casos como o da Espanha, tendo em vista previsão do Estatuto dos Trabalhadores[5] que determina a aplicação da Lei Espanhola aos trabalhadores contratados naquele país, por empresa espanhola, para prestação de serviços em outra localidade. Vejamos:

  1. La legislación laboral española será de aplicación al trabajo que presten los trabajadores españoles contratados en España al servicio de empresas españolas en el extranjero, sin perjuicio de las normas de orden público aplicables en el lugar de trabajo. Dichos trabajadores tendrán, al menos, los derechos económicos que les corresponderían de trabajar en territorio español.

Portanto, nestes casos o entendimento é de que se aplicam-se as garantias mínimas da lei do local de contratação, sem prejuízo da aplicação da legislação do local da prestação de serviços caso mais favorável.

Assim entende Sérgio Pinto Martins (pag. 111-112)[6]:

Admite a doutrina que se o trabalhador domiciliado no país é contratado por empresa nacional, visando à prestação de serviços no exterior, devem ser asseguradas as garantias mínimas decorrentes da lei do país dos contratantes, sem prejuízo da aplicação das condições de trabalho mais favoráveis do pais de prestação de serviço.

(…)

Gérard Lyon-Caen menciona que na Comunidade Econômica Europeia é aplicável o princípio da lei mais favorável. Como forma de solucionar os conflitos de leis no espaço em matéria trabalhista.

Deste modo, admite-se flexibilização do critério lex loci executionis caso a lei do local da contratação se mostre mais favorável ao trabalhador do que aquela do local da prestação dos serviços.

  • Nômades Digitais

Situação complexa, contudo, é a dos trabalhadores enquadrados como nômades digitais, pois são contratados no exterior, prestam serviços para empresas lá sediadas, mas residem em solo brasileiro.

Destaca-se que referida modalidade de contratação, também conhecida como trabalho anywhere office, caracteriza-se preponderantemente pela possibilidade de realização de tarefas em qualquer lugar, eis que o trabalhador não precisa comparecer na sede da empresa para execução de suas atividades.

Tal fato dificulta a definição das normas de direito material aplicáveis ao contrato de trabalho, eis que a prestação de serviços pode se dar a cada momento a partir de uma localidade.

No Brasil, os trabalhadores reconhecidos como nômades digitais possuem direito a visto especial previsto na Resolução 45 do Conselho Nacional de Imigração (CNIG)[7], editada em Setembro/2021, vigente desde sua publicação em Janeiro/2022.

A norma em acima prevê a concessão de visto temporário e autorização de residência por 1 ano ao estrangeiro que realiza trabalho à distância, desde que preenchidos alguns requisitos. Referido prazo pode ser prorrogado.

Dentre os requisitos para obtenção do visto é possível citar a apresentação de documento que comprove a nacionalidade do trabalhador, seguro viagem, atestado de antecedentes criminais, pagamento das taxas consulares e comprovação de meios de subsistência equivalentes à remuneração mensal de US$ 1.500,00 ou disponibilidade de fundos de US$ 18.000,00.

Vale ressaltar que o estrangeiro deve também comprovar sua condição de nômade digital através da apresentação de contrato de trabalho ou de prestação de serviços que demonstram o vínculo com empregador estrangeiro.

Destaca-se que a atividade de tais trabalhadores poderia ser enquadrada no conceito de teletrabalho da lei brasileira, descrito no art. 75-B, CLT:

Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo.

Verifica-se, porém, que apesar de os nômades digitais apenas residirem no Brasil, a Resolução 45 do CNIG, ao conceituar a categoria no §1º, do art. 1º, dispõe que são trabalhadores capazes de executar suas atividades no Brasil para empregador estrangeiro.

Neste caso, pelo critério lex loci executionis, ou Princípio da Territorialidade, seria o caso de aplicar a tais trabalhadores a legislação brasileira, conforme já exposto no item antecedente.

Contudo, a jurisprudência trabalhista brasileira, em alguns casos, tem resolvido conflitos de Lei no Espaço com base na Teoria do Centro de Gravidade ou Sede do Fato de Savigny. A teoria vem sendo usada como justificativa para a não aplicação a fatos multinacionais da Lei da Bandeira prevista no Código de Bustamante.

Neste contexto, pela Teoria do Centro de Gravidade, quando uma relação gera efeitos jurídicos multinacionais, ou seja, em mais de um país, deve-se afastar as normas de direito internacional para aplicar as normas de direito material da localidade com a qual o caso tenha ligação mais forte.

Neste sentido é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST):

Além das exceções acima, entendo que, excepcionalmente, aplica-se o princípio do Centro de Gravidade (most significant relationship), segundo o qual as regras do Direito Internacional privado podem deixar de ser aplicadas quando a causa tiver uma ligação muito mais forte com outro direito, no caso, o brasileiro.

De acordo com o princípio jurídico do Centro da Gravidade (Otto Von Gierke) – que, inicialmente, foi desenvolvido como Teoria da Sede do Fato (Savigny) -, quando um fato gera consequências em diversos países, concomitantemente, origina-se um fato misto ou multinacional. Nessa situação, qualquer Juiz será competente desde que, no seu país, o fato tenha gerado efeitos.

Ocorre que, embora o fato gere efeitos em diversas ordens jurídicas, ele tem apenas uma sede jurídica (um único centro de gravidade), pois somente em um dos países o fato gera maiores efeitos. No caso, verifica-se que a maior irradiação dos efeitos deu-se no Brasil, posto que, além da prestação de serviços ter ocorrido também em águas nacionais, a trabalhadora foi contratada no Brasil e neste ajuizou ação, fatos que, pela lógica do sistema, justifica a aplicação da legislação brasileira.

De acordo com o princípio jurídico do Centro da Gravidade, a legislação brasileira, por estar conectada de modo mais estreito à relação jurídica formada, atrai para si o campo de incidência. Verificada a existência de fraude na relação jurídica havida, justificável a exceção à aplicação da lei do pavilhão, para preservação da ordem pública.

(TST – AIRR: 432520175090014, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 4ª Turma, Data de Publicação: 09/09/2020)

No referido contexto, seria possível afirmar defender também que apesar de realizar as atividades remotamente com residência no Brasil, a situação do nômade digital possui vínculo mais forte com o local da contratação onde se encontra a empresa que realmente se beneficia de sua mão-de-obra.

Deste modo, com base na Teoria do Centro de Gravidade, seria possível a aplicação da legislação do local de contratação ao contrato de trabalho e não a brasileira, já que as atividades executadas por este empregado geram efeitos no exterior e não no Brasil

Referida conclusão é ainda amparada pelo disposto no art, 1º, §2º, da Resolução 45, do CNIG, que regulamenta o visto para nômades digitais no Brasil:

  • 2º Não será considerado “nômade digital” o imigrante que exerça atividade laboral, com ou sem vínculo empregatício, para empregador no Brasil ou cuja autorização de residência para exercício de atividade laboral no País esteja regulamentada em outro normativo deste Conselho.

Verifica-se que a norma diferencia o nômade digital do imigrante contratado por empresa brasileira e do imigrante com autorização de residência para atividade laboral. A estes aplica-se a legislação brasileira conforme tratado no tópico antecedente.

Portanto, se a norma diferencia os trabalhadores, também poderá ser diferente o tratamento jurídico dispensado a cada um deles.

Contudo, deve haver extrema cautela com a realidade fática do trabalhador enquadrado como nômade. Se a empresa contratante possui sede no Brasil e o trabalhador constantemente realiza suas atividades neste local, por exemplo, entendemos que pode existir maior dificuldade em defender a aplicação da Teoria do Centro de Gravidade caso sobrevenha algum conflito a ser resolvido na Justiça do Trabalho.

O fato é que o arcabouço normativo do Brasil ainda não contempla a situação dos nômades digitais e não há jurisprudência sobre o assunto, o que poderá gerar discussões e teses diversas e a possibilidade de defender a aplicação da lei do local da prestação de serviços e também da lei do local da contratação para os nômades digitais.

Parece-nos, contudo, que a tendência dos tribunais trabalhistas seria se curvar ao Princípio Máximo – o Princípio Protetivo – e conceder os direitos previstos em norma mais beneficia, além de aplicar analogicamente o parágrafo 8º, do art. 75-B, da CLT, com redação dada pela Lei 14.442/2022:

  • 8º Ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes da Lei nº 7.064, de 6 de dezembro de 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.
  1. Normas de competência.

Quanto à jurisdição competente para apreciação dos conflitos envolvendo relações de emprego, em regra aplica-se o disposto no art. 651, CLT, segundo o qual:

Art. 651 – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

  • 1º Quando for parte no dissídio agente ou viajante, é competente a Junta da localidade onde o empregador tiver o seu domicílio, salvo se o empregado estiver imediatamente subordinado à agência, ou filial, caso em que será competente a Junta em cuja jurisdição estiver situada a mesma agência ou filial.
  • 1º – Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima.
  • 2º – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário.
  • 3º – Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.

Verifica-se, portanto, que a regra processual brasileira prevê como competente para apreciação dos conflitos trabalhistas a jurisdição da localidade onde o empregado prestar serviços, mesmo que a contratação ocorra no exterior.

Assim, se o trabalhador foi contratado no exterior, mas veio realizar suas atividades no Brasil, seria o caso de entender como competente para apreciação dos conflitos a justiça brasileira.

Quanto ao nômade digital novamente surge controvérsia, pois apesar de estar residindo no Brasil, suas atividades são realizadas de forma remota produzindo efeitos em outra localidade que não a nacional. Isso porque, no caso do nômade, o serviço poderá ser prestado em qualquer local.

É o que se extrai também do disposto no Código de Processo Civil (CPC), especificamente no art. 21, II, já que a obrigação, em tese, seria cumprida no Brasil:

Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que:

I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;

II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III – o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal.

Neste contexto, ao nômade digital, por ser viajante e não ter vínculo com empresa brasileira e nem realizar atividades que produzam efeito no Brasil, seria aplicável a mesma regra utilizada para o viajante comercial prevista na CLT, qual seja, a competência da localidade em que se situa a empresa ou filial à qual o trabalhador está subordinado (art. 651, §1º, CLT)?

Ou seria o caso de aplicação da regra geral do processo civil, prevista no artigo 21, II, do CPC, segundo a qual a competência é definida pelo local em que é cumprida a obrigação? No caso, o Brasil.

Enquanto não há regulamentação específica, entendemos que ambas as posições podem ser defendidas.

No caso da competência da justiça brasileira, poderá ser defendida com base na necessidade de se interpretar as regras de competência de maneira a favorecer a produção da prova e o acesso do trabalhador ao Judiciário. É assim que entende Carlos Henrique Bezerra Leite[8] (pag. 365):

A interpretação e aplicação das disposições do art. 651, caput, da CLT, portanto, deve ter por escopo facilitar ao litigante economicamente fraco o ingresso em juízo em condições que lhe propiciem buscar judicialmente seus direitos, desde que isso não implique prejuízo ao direito de ampla defesa do demandado, o que exige o exame do caso concreto submetido à cognição judicial.

Nestes termos, se o trabalhador que tenha sido contratado e prestado serviço em outra localidade diversa ajuizar ação trabalhista no foro do seu domicílio, afirmando na petição inicial que não tem condições econômicas de se deslocar até o local da celebração do contrato ou da prestação do serviço (art. 651, caput, da CLT), o juiz, caso o reclamado apresente exceção de incompetência, deverá, considerando a verossimilhança da afirmação do reclamante, interpretar tal regra conforme a Constituição (art. 1º, III e IV; art. 5º, LV e LXXVIII) e rejeitar a exceção.

O autor entende, ainda, que a competência da justiça brasileira não é afastada nem mesmo pelo fato de a contratante não ter sede ou filial no Brasil. Vejamos o que diz Carlos Henrique Bezerra Leite[9] (pag. 370):

Se a empresa não tiver sede ou filial no Brasil, Sergio Pinto Martins sustenta que “haverá a impossibilidade da propositura da ação, pois não será possível sujeitá-la à decisão de nossos tribunais”255.

Cremos, contudo, que, não obstante os obstáculos operacionais para a propositura da demanda em face de empresa que não tenha sede ou filial no Brasil, mostra-se possível a notificação do empregador por carta rogatória, sendo competente a Vara do Trabalho, por aplicação analógica do art. 21, I e II, do CPC256. Se ele aceitará, ou não, submeter-se à jurisdição da Justiça Laboral brasileira, já é problema alheio à questão da competência.

Contudo, no caso dos nômades digitais, seria o caso de determinar a competência pelo local onde se situa a empresa contratante a qual o empregado está vinculado, eis que não há elementos de estraneidade aptos a atrair a jurisdição brasileira, já que as atividades do empregado produzem efeito no local da contratação e não no Brasil.

Isso porque, ao contrário do estrangeiro expatriado, o nômade digital não tem vínculo com empresa brasileira e nem tem atividade laboral produzindo efeitos no Brasil. Ele apenas viaja para o Brasil e reside aqui durante a vigência do pacto laboral, pois pode trabalhar de qualquer localidade segundo o conceito de anywhere office.

Além disso, por questões práticas, considerando a dificuldade de fazer cumprir a decisão da justiça brasileira por empresa não situada no Brasil, convém acompanhar o entendimento de Sérgio Pinto Martins, segundo o qual a competência será definida pelo local da contratação.

Uma solução possível para dirimir a questão seria eleger no contrato de trabalho do nômade digital o foro competente para dirimir controvérsias.

Em que pese a prática encontre ressalvar na seara trabalhista, é conveniente que os costumes se adaptem à nova realidade.

Além disso, autores como Carlos Bezerra Leite[10](pag 375) defendem a possibilidade da eleição de foro em matéria trabalhista, conforme destacamos:

Todavia, parece-nos que é exatamente à luz do princípio constitucional do amplo acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV) que devemos interpretar o texto consolidado. Para tanto, informamos que alteramos o nosso entendimento adotado nas edições anteriores deste livro a respeito da incompatibilidade do foro de eleição com os dissídios individuais e coletivos de trabalho.

Na verdade, passamos a reconhecer que todas as regras previstas no caput e nos parágrafos do art. 651 da CLT têm por objetivo central a facilitação do acesso à justiça para o cidadão trabalhador, presumivelmente vulnerável e hipossuficiente. Logo, é preciso examinar no caso concreto se o foro de eleição firmado no contrato de emprego (via de regra, um contrato de adesão) é mais benéfico ao empregado para, de fato, assegurar-lhe o pleno acesso à Justiça do Trabalho. Se o foro eleito no contrato de emprego for o do domicílio do empregado, parece-nos que, não obstante a literalidade do caput do art. 651 da CLT, a competência para processar e julgar a ação trabalhista será a fixada na fonte autocompositiva por aplicação do princípio da norma (processual) mais favorável ao trabalhador, salvo se ele próprio preferir ajuizar a demanda no foro do local da prestação do serviço, pois, neste caso, estará abrindo mão de uma vantagem de natureza processual.

Seria o caso, portanto, de prever no contrato do nômade digital o foro competente para dirimir controvérsias.

[1] Súmula 207/TST – 11/07/1985 – Hermenêutica. Conflitos de leis trabalhistas no espaço. Princípio da «lex loci executionis». Conflito interespacial. Decreto-lei 4.657/1942, art. 9º (LICCB) e Decreto-lei 4.657/1942, art. 17 (LICCB). Decreto 18.874/1929, art. 198 (Código de Bustamante) (cancelada).

«(Cancelada pela Res. 181, de 16/04/2012 – DJ 19, 20 e 23/04/2012). – A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da contratação.»

[2] Se a empresa contratou no Brasil, mas não tem sede aqui, prevalece a lei do local da prestação de serviços. Neste sentido:

Mesmo assim, ainda prevalece a aplicação da lei do local da execução do contrato para aquele empregado contratado no Brasil para trabalhar em empresa estrangeira, que não tenha sede no nosso país. (Vólia Bomfim, Direito do Trabalho, 19ª Edição. Ed. Método, 2022. Pag. 139).

[3] Disponível em: <https://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=1000:12100:12902050527979::NO::P12100_SHOW_TEXT:Y:>. Acesso em 09/01/2023.

[4] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 38ª ed -São Paulo: Ed. Saraiva, 2022.

[5] Link para Estatuto dos Trabalhadores da Espanha.

[6] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 38ª ed -São Paulo: Ed. Saraiva, 2022.

[7] Link para Resolução nº 45 do CNIG

[8] LEITE, Carlos Henrique B. Curso de Direito Processual do Trabalho.São Paulo: Editora Saraiva, 2022.

[9] LEITE, Carlos Henrique B. Curso de Direito Processual do Trabalho.São Paulo: Editora Saraiva, 2022.

[10] LEITE, Carlos Henrique B. Curso de Direito Processual do Trabalho.São Paulo: Editora Saraiva, 2022