No dia 1º de Janeiro de 2017, entraram em vigor os artigos 61-A, 61-B, 61-C e 61-D da Lei Complementar nº 155 de 27 de Outubro de 2016, estabelecendo, pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, regras atinentes aos investimentos realizados nas microempresas (sociedades com receita bruta anual inferior a R$360.000,00) e empresa de pequeno porte (sociedades com receita bruta anual superior a R$360.000,00 e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00) por investidores-anjo.
Em suma, os referidos preceitos legais determinam (i) a possibilidade de aporte de capital sem que este integre o capital social da empresa; (ii) a existência de instrumento jurídico intitulado “contrato de participação”, onde serão acordados os termos da relação entre empresa e investidor-anjo; e (iii) que o investidor-anjo: (a) não será considerado sócio nem deterá poder de gerência ou voto na sociedade; (b) não responderá por qualquer dívida da empresa; (c) será remunerado por seus aportes pelo prazo máximo de 5 (cinco) anos e tal remuneração não poderá ser superior a 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade; (d) somente poderá resgatar seu investimento depois de, no mínimo, 2 (dois) anos do aporte; e (e) terá direito de preferência na aquisição no caso de oferta de compra da empresa, bem como direito de venda conjunta da titularidade do aporte nos termos ofertados.
A Lei Complementar nº 155 em questão, é uma medida inspiradora que visa, dentre outros propósitos, aumentar a segurança jurídica do investidor-anjo quanto ao temor de responsabilização por dívidas da empresa investida e outras contingências; ao direito de preferência para aquisição da empresa; e ao direito de Tag-Along.
Quanto a esse ponto, o que se vê na atualidade é um conflito entre os preceitos legais e doutrinários de direito societário e direito civil, que garantem ao investidor sua independência, individualização e limitação de responsabilidade, com os conceitos lato sensu de grupo econômico e desconsideração da personalidade jurídica inseridos em decisões paternalistas dos tribunais trabalhistas e em litígios tributários. O desafio será justamente a consolidação do entendimento do legislador e sobreposição de seu propósito inicial, com o advento da Lei Complementar nº 155, na jurisprudência pátria em face aos posicionamentos existentes.
Ressalta-se que, a nova lei deixa de esclarecer vários outros pontos importantes e determinantes para o crescimento do setor, além de criar dúvidas com relação à figura do “contrato de participação” mencionado na referida lei, sobre o qual falhou em discorrer. Além do mais, o artigo 61-A da lei mostra-se redundante ao estabelecer que o aporte de capital do investidor-anjo não integrará o capital social da sociedade, pois se estruturado na forma de dívida, até que convertido em participação societária, obviamente que não integrará o capital social da pessoa jurídica.
É comum, no mundo das Startups a utilização de Contratos de Mútuo Conversível (no caso das sociedades limitadas) e Debentures Conversíveis (no caso das sociedades anônimas) como instrumentos de captação de recursos de investidores-anjo. Algumas, utilizam alternativamente uma estrutura mais sofisticada, escolhida quando há potencial de captação de recursos de estrangeiros, por meio da qual constituem uma empresa de responsabilidade limitada com sede nos Estados Unidos, que passa a controlar a Startup em atividade no Brasil, sendo emitida uma “Convertible Note” em favor do investidor-anjo. Apesar de todas essas estruturas serem juridicamente possíveis e válidas, a falta de jurisprudência quanto à exequibilidade do Mútuo Conversível, gera incerteza ao investidor.
Sendo assim, além da importante proposta trazida no tocante à impossibilidade de responsabilização do investidor-anjo quanto às dívidas da sociedade, direito de preferência e de venda conjunta, podia o legislador ter abrangido o tema para consolidar legalmente as formas de captação de recursos, imprescindíveis para o avanço e desenvolvimento das atividades de inovação e investimentos produtivos trazidos pelas Startups e assim majorar a chance de solidificar judicialmente um posicionamento pró-investidor.
Gustavo de Lima Palhares – Furriela Advogados