Transplantes de Intestino e as ações de obrigação de custear o tratamento em face do Estado

Atualmente muito se tem discutido a respeito de doenças raras e de grave consequências à saúde e a obrigação do Estado em custear seus tratamentos.

A inclusão microvilositária é uma doença inflamatória de extrema gravidade cujo único tratamento é o transplante intestinal, eis que os pacientes acometidos possuem deficiência na absorção de proteínas, tendo como única fonte de alimentação suplementos administrados por via parenteral, que causa grave dano a função hepática.

Uma vez que se faz necessário utilizar equipamentos, aparelhos, medicamentos e instrumentos médico-cirúrgicos específicos e de grande precisão, além de capacidade técnica, os transplantes de fígado tem se realizado com melhores resultados no exterior. Citamos exemplificativamente o Hospital Jackson Memorial, na cidade de Miami, USA.

Referido hospital possui banco de doadores de órgãos que permite uma maior probabilidade de se obter compatibilidade entre doador e receptor, o que é muito importante dada à possibilidade de rejeição pós-transplantes e, consequente, recuperação do paciente.

Fundado no art. 6º da Constituição Federal que preconiza a saúde como um direito social do brasileiro e no art. 196, que determina ao Estado prover a saúde mediante garantias de políticas sociais e econômicas que visem, à redução de risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, vem sendo ajuizadas ações requerendo ao Estado custear integralmente o tratamento de transplante de intestino.

Os argumentos de fato concernem à possibilidade de tratamentos com boa sobrevida e possível cura, além disso a não realização dos transplantes, poderá ensejar o infausto com muito sofrimento. A maioria dos pedidos são para menores.

O Estado por sua vez se insurge sob a tese de as r. decisões favoráveis aos pacientes causarem efeito multiplicador e, em consequência, prejudicar as políticas públicas de saúde.

Interessante recurso do Ministério Público Federal, nos autos do processo nº 0031349-11.2014.4.03.0000, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, impugnou pontualmente os argumentos de a r. decisão recorrida causar ao Estado lesão à ordem econômica, em decorrência de efeito multiplicador.

Outro argumento impugnado do Estado foi de que a r. decisão recorrida, no processo referido, contraria normas básicas do SUS por não observar limitações orçamentárias, cronológicas ou de qualquer natureza.

Os argumentos do Ministério Público Federal dizem respeito a não existência de efeito multiplicador, pois o transplante de intestino decorre de doença rara. Ademais, não haveria de se contrariar normas básicas do SUS, por não haver tratamento curativo no país.

Além disso, decisão favorável ao custeio do transplante de intestino observa o mínimo existencial, que é o direito à vida e a dignidade da pessoa humana.

A r. decisão proferida nos autos do processo nº 0002609-37.2014.4.03.6113, transcreve elucidativo trecho do Agravo de Instrumento n° 0008474-47.2014.4.03.0000/SP, do E. Tribunal Regional Federal – 3ª Região, da lavra do E. Desembargador Federal – Dr. Márcio Moraes, que assegura que o direito à vida se classifica como direito subjetivo inalienável tutelado pela Constituição Federal que deve prevalecer sobre interesses financeiros do Estado, nos seguintes termos:

“(…) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida. Por tal motivo, indefiro o pedido formulado pelo Estado de Santa Catarina, pois a decisão proferida pela Magistratura catarinense – longe de caracterizar ameaça à ordem pública e administrativa local, como pretende o Governo estadual (fls. 29) – traduz, no caso em análise, um gesto digno de reverente e solidário apreço à vida de um menor, que, pertencente à família pobre, não dispõe de condições para custear as despesas do único tratamento médico-hospitalar capaz de salvá-lo de morte inevitável” (DJ. 13/2/1997)”.

Outro aspecto relevante das r. decisões proferidas nas ações que discutem a obrigatoriedade de o Estado cobrir integralmente o custeio do transplante de intestino, tal como a que transcrevemos anteriormente, é que sejam plenamente satisfativas em virtude do risco de vida dos pacientes se não receberem o tratamento prescrito, ainda que se entenda de não caber em face do Estado medidas satisfativas.

A Jurisprudência dos Tribunais Pátrios vem destacando o dever de conceder medidas satisfativas em face de o Estado dada à excepcionalidade da situação de urgência:

“PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. LIMINAR DE CARÁTER SATISFATIVO. SAÚDE PÚBLICA. DIREITO DO CIDADÃO E DEVER DO ESTADO. DECISÃO ASSENTADA EM DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO”.

(E. STJ – 1ª T. REsp 97.912/RS – Relator Ministro: Garcia Vieira – Julgamento em 27.11.1997)

Portanto, na hipótese de haver risco de vida, tal como ocorre nos casos onde são prescritos transplantes de intestino, o entendimento jurisprudencial é favorável a concessão de medidas satisfativas.

Maurício Gobbetti – Furriela Advogados