Desde março de 2014, quando deflagrada a “Operação Lava Jato”, dezenas de executivos e empresas foram investigadas e responsabilizadas judicialmente, incluindo empresas Brasileiras com American Depositary Receipts (ADRs) negociados na bolsa de Nova York ou no “mercado de balcão” (OTC), nos Estados Unidos, e empresas estrangeiras com capital aberto em outras jurisdições.
Empresas envolvidas na operação Lava-Jato (e outras operações relacionadas a escândalos de corrupção) que estão listadas em bolsas de valores de outros países, devem obedecer à legislação e regulamentação dessas jurisdições. Sendo assim, estão suscetíveis a sofrer não só implicações criminais, mas também processos indenizatórios propostos por investidores lesados.
É natural que com os escândalos de corrupção deflagrados, os preços das ADRs, ações ou outros títulos negociados no mercado caiam drasticamente, gerando prejuízos a muitos investidores. Claro que oscilações no mercado de ações fazem parte do risco aceito pelo investidor e esse princípio prevalece na maioria dos países. Todavia, em vários casos, conforme amplamente noticiado pela imprensa, verificou-se a existência de pratica de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, fraudes nas demonstrações financeiras e em comunicados ao mercado, contratos superfaturados e quebra nas declarações e garantias oferecidas quando da oferta de valores mobiliários. Tais fatos demonstram que, ao que tudo indica, os investidores teriam sido induzidos a erro em seus investimentos, fato este que, junto com as diversas infrações legais e indícios de crimes, fundamentam os pedidos de ressarcimento e indenização contra as companhias.
Em Nova Iorque, por exemplo, várias ações judiciais foram propostas contra a Petrobrás, baseadas no desrespeito às normas locais de mercado (Securities Exchange Act de 1934, artigo 10-b; Securities and Exchange Comission Rule 10b-5; e Securities Act de 1933) e na desvalorização do valor dos títulos da empresa, as quais deram orgiem à Class Action “Petrobras Securities Litigation No. 14-CV-9662.
A chamada Class Action é uma medida judicial prevista no ordenamento jurídico americano (e outras jurisdições de Common Law) que permite a propositura de uma ação em defesa dos direitos de uma “classe” ainda que os beneficiários da ação não tenham conhecimento dos prejuízos sofridos. No caso em tela, o Juiz Jed S. Rakoff considerou dois tipos de “classes” de investidores: (i) todos os investidores que, entre 22 de Janeiro de 2010 e 28 de Julho de 2015 compraram ações da Petróleo Brasileiro S.A., inclusive títulos de dívida emitidos pela Petrobras International Finance Company S.A. e ou Petrobras Global Finance B.V. na bolsa de Nova Iorque ou relativas a outras transações domésticas; ou (ii) todos os investidores que compraram títulos de dívida emitidos pela Petróleo Brasileiro S.A., Petrobras International Finance Company S.A. e Petrobras Global Finance B.V, em oberações domésticas, relacionada com a emissão de 13 de Maio de 2013 e/ou 10 de Março de 2014.
Importante destacar a decisão exarada pelo Juiz Jed S. Rakoff responsável pela Class Action contra a Petrobrás, em Julho de 2015, determinando que investidores brasileiros que sofreram perdas na Bovespa deverão obedecer as regras do Estatuto da Petrobrás quanto à forma de resolução de conflitos e, por essa razão, propor medida indenizatória perante tribunal arbitral. Por outro lado, o Juiz manteve a legitimidade do pleito de investidores lesados nos Estados Unidos por conta de infrações às regras de mercado em vigor no país.
A decisão em questão criou precedente importante, deixando clara a possibilidade de propositura de ação indenizatória nos Estados Unidos contra empresa Brasileira que possui títulos negociados no mercado americano, e que investidores brasileiros lesados por transações realizadas na Bovespa não teriam legitimidade para propor tal medida perante os tribunais dos Estados Unidos.
Depois da Petrobrás, verificou-se a propositura de ações similares contra a Brasken S.A., petroquímica controlada pela Odebrecth. A situação da empresa tende a se agravar no que tange às medidas indenizatórias propostas nos Estados Unidos, uma vez que, em Dezembro de 2016, foi assinado acordo de leniência da empresa confessando diversas irregularidades e ilegalidades.
Também foram assinados, conforme reportado na mídia, acordos de leniência entre autoridades brasileiras (Ministério Público Federal -MPF e Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE) e as empresas Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Setal, Carioca Engenharia e Rolls-Royce.
Nos referidos acordos, as empresas mencionadas revelaram e se comprometeram a revelar fatos ilícitos, bem como, a implementar mecanismos de adequação para evitar a repetição de condutas similares. Ademais, as empresas confessaram sua participação em atos ilícitos e pagaram valores à título de ressarcimento de prejuízos causados. Em contrapartida, essas empresas terão suas penas reduzidas.
Apesar dos referidos acordos concederem certos benefícios às empresas acordantes, eles não isentam as empresas de se submeterem a medidas cíveis reparadoras dos danos sofridos, principalmente por investidores. Nesse sentido, esses instrumentos constituem provas importantes da autoria, nexo de causalidade e culpabilidade pelos prejuízos causados.
Depois de analisarmos as empresas brasileiras com títulos negociados nos Estados Unidos (ADRs na bolsa e no “mercado de balcão”) verificamos que, 39 estão atualmente sob investigação ou recentemente responderam a processo por indícios de corrupção, sendo que, ao menos, 5 dessas empresas assinaram acordos com autoridades governamentais confessando a prática de crimes e se submetendo ao pagamento de multa pecuniária.
Apesar disso, curiosamente não identificamos a existência de medidas indenizatórias no exterior contra a maioria das empresas brasileiras. Adicionalmente, notamos que as seguintes empresas não sofreram ações de cunho indenizatório por investidores lesados em seus países de origem onde seus valores mobiliários são negociados: (i) Toyo Setal, “Joint Venture” formada pela japonesa Toyo Engineering Corporation (Lava-Jato), que possui ações negociadas na bolsa de Tokyo e está em vias de assinar acordo de leniência com autoridades Brasileiras confessando a autoria de crimes e se dispondo a colaborar com as autoridades; (ii) Rolls Royce, que possui ações negociadas na bolsa de Londres, e assinou acordo com autoridades brasileiras, britânicas e americanas acordando em pagar multa milionária e admitindo a prática de atos ilícitos; e a (ii) Skanska Brasil, subsidiária da sueca Skanska AB, que possui capital aberto na bolsa de Stockholm e negociada no “mercado de balcão” americano, e foi considerada inidônea para disputar licitações pela Controladoria-Geral da União, por conta de ilegalidades apuradas na operação Lava Jato.
Sendo assim, diante da decisão proferida nos autos da “Class Action” em questão (processo “Petrobras Securities Litigation No. 14-CV-9662”) e os princípios legais aplicáveis aos casos em tela, identifica-se a possibilidade de apresentação de medidas judiciais no exterior contra empresas envolvidas em escândalos de corrupção no Brasil, com o intuito de ressarcir investidores lesados naqueles países, e portanto, vislumbra-se, naturalmente, a tendência de aumento do número de ações judiciais nesse sentido, tendo em vista também o avanço das operações anticorrupção no Brasil.
Gustavo de Lima Palhares – Furriela Advogados