Apesar de o conflito de interesse existir nas sociedades de economia mista, tanto entre a finalidade lucrativa e a implementação de políticas públicas quanto entre o acionista majoritário e a sociedade, pelo fato de o Estado figurar em dois polos da negociação, existem mecanismos societários para contornar essa situação, conferindo aos acionistas minoritários a possibilidade de manifestação e imposição de sua vontade.
1 Proibição do Voto
A Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976 (“L.S.A.”) prevê um conjunto de regras que busca harmonizar todos os interesses de uma S.A e de seus acionistas. A proibição do voto daquele acionista que está em conflito é uma das soluções mais utilizadas para evitar que haja desvio do interesse social.
Os minoritários podem se unir para se opor ao voto de um determinado acionista, caso entendam que este se encontra em situação de conflito. Para tanto, devem fazer constar em ata durante a assembleia que se opõem a determinada matéria ou, mais especificamente, ao voto de um acionista. Caso o acionista em conflito vote em interesse próprio, os minoritários podem, ainda, propor ação judicial contra este acionista ou solicitar parecer técnico da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) (no caso de companhias abertas).
Ademais, segundo o artigo 123 da L.S.A., compete ao Conselho de Administração ou aos diretores convocar assembleia geral. Todavia, os acionistas minoritários que representem 5% do capital social podem convocar assembleia geral caso os administradores não o façam em 8 dias. Esse mecanismo possibilita aos acionistas minoritários convocarem assembleia quando essa não for devidamente convocada.
Ainda, o artigo 159 da L.S.A., que trata sobre ação de responsabilidade contra o administrador que tiver causado prejuízo à sociedade, determina que esta ação pode ser proposta pelos acionistas que detiverem 5% do capital social caso a assembleia não delibere desta forma.
Portanto, constata-se que os minoritários possuem alternativas para impor sua vontade em defesa de seus direitos e dos da sociedade.
2 Acordo de Acionistas
O acordo de acionistas, previsto e regulamentado no artigo 118 da L.S.A., é um instrumento jurídico garantidor da convergência dos interesses dos acionistas em uma sociedade anônima de capital aberto ou fechado, relacionados à negociabilidade de suas participações na companhia, exercício do direito de voto ou poder de controle, “de forma a harmonizar os seus interesses societários e implementar o próprio interesse social” (EIZIRIK, 2003, p. 45).
Este instrumento pode ser usado pelos acionistas minoritários como forma de se unir para decidirem em bloco nas assembleias, uma vez que o acordo de acionistas possibilita a união daqueles sócios para amparar seus interesses em comum e viabilizar determinadas deliberações societárias cujo escopo requer maior participação acionária, como, por exemplo, o previsto no parágrafo 4º do artigo 159 da L.S.A. Utiliza-se, na doutrina, a denominação de “acordo de defesa” para esse tipo de acordo de acionistas, conforme entendimento de Modesto Carvalhosa (CARVALHOSA, 2011, p. 141):
“Poderão os acordos de voto ter como objetivo a formação de uma minoria coesa, ou seja, uma minoria organizada. Visa essa organização da minoria a contrabalançar o poder de controle, estabelecendo um equilíbrio de forças e de interesses; objetiva, sobretudo, a concentração de votos dos não controladores, para o exercício dos direitos próprios dos minoritários. Tal grupo de acionistas, vinculado por acordo de voto, caracteriza-se pela vontade expressa de intervir na vida da sociedade, através de uma efetiva participação, não apenas no interesse dos próprios convenentes, mas também no interesse social”
3 Mitigação da finalidade lucrativa
Por fim, autores como Mario Engler entendem que há necessidade de mitigação da finalidade lucrativa nas sociedades de economia mista para a implementação de políticas públicas:
“Como se sabe, a sociedade de economia mista combina capitais públicos e privados para o exercício de determinada atividade lucrativa, que pode consistir inclusive na prestação de serviços públicos em regime de delegação. Neste caso, a companhia funciona basicamente como instrumento de execução de políticas públicas, em que o objetivo da maximização dos lucros, inerente a qualquer empresa, pode ceder lugar a outros interesses estatais.” (ENGLER, 2002, p. 55).
Este autor defende a implementação do princípio constitucional da supremacia do interesse público sobre o privado e entende que o artigo 238 da L.S.A. reiterou este princípio. Para ele, deve-se encontrar o limite do sacrifício da lucratividade da companhia para o cumprimento de sua missão pública.
O autor chega a conclusão de que o Estado, como acionista controlador, bem como os administradores da sociedade não podem se valer do interesse público previsto pelo artigo 238 da L.S.A. para suspender a distribuição dos lucros, uma vez que não é aceitável que se comprometa a sustentabilidade financeira da companhia.
Outros autores, como Jacintho Câmara, discordam deste posicionamento, afirmando que a finalidade lucrativa é inerente à atividade da sociedade de economia mista, ambas devendo conviver. Portanto, nota-se tratar de assunto polêmico ainda não pacificado na doutrina brasileira.
A existência de conflito entre o interesse público e a finalidade lucrativa das sociedades de economia mista é patente, e a forma como algumas empresas brasileiras lidaram com este conflito é diversa, como, por exemplo, no caso do Banco do Brasil, que, apesar de ter enfrentado inúmeras crises por ter sido utilizado como forma de implementação de políticas públicas, é uma sociedade de economia mista de capital aberto, pessoa jurídica de direito privado, constituída por capital da União e de investidores privados e mantém-se saudável sem onerar seus investidores.
Cristine Ramiro d’Arc Acocella – Furriela Advogados